Estamos
em 2021 e desde o ano de 2003 já existe uma lei que orienta escolas da rede
Pública e Privada fazer a apresentação
da cultura e história da Àfrica nas do núcleo comum do currículos escolar. A
lei 10.639/2003 estabelece as diretrizes e bases da Educação nacional, para
incluir no currículo oficial da Rede de Ensino a obrigatoriedade da temática “
história e cultura afro brasileira. Esse
trabalho procura refletir sobre a obrigatoriedade diante da experiência na
ministração da disciplina Filosofia. O
autor deste texto procurando atender a lei incluiu no seu plano de aula uma
introdução à Filosofia Africana, para o 1º ano do Ensino Médio no colégio Estadual
Brigadeiro Castrioto, em Níterói. O objetivo, aqui, será apresentar, de forma
sucinta, os motivos pelos quais 17 anos após a promulgação da lei não é
possível se verificar a aplicabilidade da mesma refletida no dia-a-dia dos
alunos da rede Pública. De fato é pertinente
trazer o tema ao debate diante dos tantos questionamentos que se
repetem, por parte dos alunos sobre a origem da Filosofia. Abdias do Nascimento
em seu livro, “ Quilombismo”, Afiirma:
Do século VI antes de Cristo até a morte de
Aristóteles ( 322 antes de Cristo) os Gregos aproveitaram o melhor que puderam
as chances de aprender o que puderam o que pudessem sobre a cultura egípcia.
Muitos estudantes receberam instruções diretamente dos sacerdotes egípcios,
porém, depois da invasão de Alexandre Magno, os templos reais e as bibliotecas
foram saqueadas e pilhadas, e oa escola
de Aristóteles converteu a biblioteca de Alexandria em centro de pesquisas.
(GEORGE JAMES apud NASCIMENTO: 2019, p.130)
Assim
como outros autores, Abdias defende a
tese de que a Filosofia nasceu em Àfrica, entre os egípcios; os Gregos
adquiriram pelos Egípcios o conhecimento filosófico que, fora sistematizado e
difundido como se houvera nascido na Grécia.
Os
verdadeiros autores da Filosofia grega não foram os Gregos, mas o povo da
África do Norte comumente chamados de Egípcios; e o elogio e a honra falsamente
atribuídos aos Gregos durante séculos pertence ao povo da África do Norte e ,
desta forma, ao continente Africano. Consequentemente
este roubo do legado africano pelos Gregos levou a opinião mundial ao erro de
que o continente africano não deu nenhuma contribuição à civilização e que seu
povo está naturalmente na retaguarda. Essa distorção se tornou a base do
preconceito racial que tem afetado todos os povos de cor. ( NASCIMENTO:2019, p.130) .
Ainda
que o autor seja enfático ao falar sobre o “roubo” do legado africano a partir
dessas citações, deve-se refletir sobre a recusa em falarmos das contribuições
do povo africano para a cultura , de uma forma ampla e, mais especificamente,
da produção do conhecimento filosófico justificando, de certa maneira, o
preconceito sofrido há séculos como consequência da forma como é forjada a
estrutura da sociedade brasileira .
O
tema da escravidão do povo africano não deveria ser o único a fazer parte dos
livros didáticos visto que além da diversidade de nações africanas e portanto,
de línguas e costumes distintos, também existem concepções e modos de vida
diversos no continente africano, seja político, linguístico ou geográfico. O
Brasil é um pais que respira a cultura africana, impregnado de África. No
entanto, narrativas oficiais somadas a pedagogia televisiva instaurou em nosso imaginário
coletivo a ideia da subordinação do negro. Este longo processo merece uma revisão
a partir de um estudo sério e profundo da cultura o negro brasileiro. Clóvis
Moura apresenta aspectos importantes sobre abordagens que desvalorizavam o
negro como agente social possuidor de um passado histórico.
Todos esses trabalhos procuravam ver,
estudar e interpretar o negro não como um ser socialmente situado numa
determinada estrutura, isto é, como escravo ou ex-escravo, mas como simples
componente de uma cultura diferente do ethos nacional. Dai vermos tantas
pesquisas serem realizadas sobre seu mundo religioso em nível etnográfico e
acerca de tudo aquilo que implicava diferença do padrão ocidental, tido como
normativo e tão poucos estudos sobre a situação do negro durante a sua
trajetória histórica e social (MOURA, 2019, p.43)
É imperioso, portanto, que o ensino
da cultura e história da África privilegie a observação cuidadosa do que o
indivíduo que produziu esta história sob as conhecidas condições, em nossa
sociedade, cientes de que a tal “democracia racial” é uma ilusão. Essa ideia
foi difundida inclusive por intelectuais ao longo da história a partir do fato
de existir uma miscigenação resultados do encontro de diferentes culturas e
povos. Reverter essas construções desenvolvidas por longo tempo não é um
trabalho fácil. No entanto, é urgente que se faça uma análise a partir de
autores que já denunciaram essa condição, no passado, bem como outros que
atualmente apresentam reflexões a esse respeito. Esse olhar para o passado
auxilia, então, na compreensão de como se estrutura o pensamento racista e como
esse pensamento norteia comportamentos e orientações educacionais.
No campo da filosofia observa-se um
quase total silenciamento a respeito do pensamento filosófico africano. Esse
silenciamento se dá no âmbito da universidade e, por consequência, nos ensinos
fundamental e médio já que aqueles que lecionam na etapas iniciais da Educação
tiveram sua formação em espaços que sempre desconsideraram a produção do
conhecimento filosófico africano.
O mais interessante é que esse
silenciamento sobre a produção filosófica de origem africana não é uma hipótese,
mas uma realidade materializada, em nosso dia-a-dia. Para exemplificar o que
afirmamos realizou-se uma pesquisa de dados a respeito do tema em cinco livros
didáticos adotados pelo plano nacional do livro didático (PNLD) em apenas um
deles trás, entre seus conteúdos assunto apresentando o pensamento filosófico
africano de forma introdutória. Os outros quatro livros não fazem sequer menção
ao fato de existir um pensamento filosófico africano. Na aberturado capítulo do
livro Reflexões: Filosofia e cotidiano, lemos o seguinte;
De
que maneira a negritude remete ao passado africano? E de que forma esse
conhecimento da identidade negra africana e afro brasileira pode contribuir
para reflexão filosófica? ( VASCONCELOS:2016,p.362)
A unidade do livro onde se insere o
capítulo que trata da produção filosófica africana também nos apresenta uma
pista interessante do problema que enfrenta-se, ou seja, “ para além do
Eurocentrismo” é o olhar que possibilita que aprendamos mais sobre essa produção
silenciada durante séculos. Cabe aqui lembrarmos que não se trata de substituir
um pensamento filosófico sedimentado, esse que aprendemos. Que se aceitou como
cultura que fundou a filosofia, o pensamento grego por um pensamento africano.
O que refletimos nesse trabalho é a importância desse conhecimento não só
ganhar visibilidade como também poder servir de ferramenta de interpretação da
realidade. As perguntas da citação acima
nos remeterão a outros problemas enfrentados na sociedade. Neste trabalho nos
limitaremos a invisibilização do ensino da filosofia africana na rede
Educacional.
Só foi possível abordar esse assunto
a partir da necessidade de lecionar a filosofia africana como complemento do
plano de aula da disciplina filosofia no colégio Estadual Brigadeiro Castrioto
em Niterói. Essa unidade escolar de horaério integral possui no seu núcleo
comum a disciplina filosofia. Durante todo o período da graduação esse autor
não obteve contato com nenhum material ou aula que abordasse a filosofia Africana
nem mesmo nas disciplinas voltadas para a licenciatura que tem como objetivo
formar novos professores. Por iniciativa particular e a partir do conhecimento
da existência da lei iniciei a procura por livros didáticos que abordassem o
tema e servissem de material de apoio para ministração das aulas. O que
confirma a citação de Santos (2005) “que
a implementação do ensino sobre cultura africana depende da vontade e dos
esforços dos professores para que esse ensino seja ministrado em sala de aula”.
Ao consultarmos o documento que
norteia ou aponta caminhos para uma ação pedagógica nos deparamos com uma
pobreza de conteúdo. O documento na sua completude é de uma generalidade impar
e em nenhum momento faz referências a outros modos de pensar que não sejam Gregos.
Não é necessário muito tempo de leitura
do documento “ currículo mínimo 2012 Filosofia”
para constatarmos aquilo que já mencionamos anteriormente, a saber, o
silenciamento e nesse caso a invisibilidade do pensamento africano e sua
contribuição para a cultura brasileira. Da mesma forma podemos observar a
ausência de conteúdo relacionado a filosofia africana nos livros didáticos
adotados pelo plano nacional do livro didático. Cabe, então, ao professor que
se interesse implementar o conteúdo
relacionado a filosofia africana buscar
material por conta própria ainda que com dificuldade pois
A
legislação federal, segundo o nosso entendimento, é bem genérica e não se
preocupa com a implementação adequada do ensino sobre história e cultura
afro-brasileira. Ela não estabelece metas para a implementação da lei, não se
refere a necessidade de qualificar os professores do ensino fundamental e médio
para ministrarem. O que é grave segundo nosso entendimento, a necessidade as
universidades reformularem os seus programas de ensino e/ou cursos de
graduação, especificamente os de licenciatura para formarem professores aptos a
ministrarem o ensino sobre história e cultura afro brasileira. Ou seja, vai
depender da vontade e dos esforços dos professores para que o ensino sobre a
história e cultura afro brasileira seja
ministrada em sala de aula (SANTOS,
2005.p.33).
A
falta de material que possibilite a implementação do ensino da história e
cultura africana somada a ideia já cristalizada de que o negro é inferior em virtude
de sua condição de escravo em um passado
não muito distante reforçam a permanência daquilo que conhecemos como “racismo
estrutura”. Essa invisibilização está estrutura e profundamente arraifgada na
subjetividade coletiva . Segundo Silvio Almeida
Como
a instituição tem sua atuação condicionada a uma estrutura social previamente
existente – com todos os conflitos que lhe são próprios- o racismo que esta
instituição venha expressar é também parte desta mesma estrutura. As
instituições são apenas a materialização de uma estrutura social ou de um modo
de socialização que tem o racismo como um de seus componentes orgânicos. Dito
de modo mais direto: As instituições são racistas porque a sociedade é
racista.( ALMEIDA,2018,p.36).
Portanto, a partir da constatação
pela própria vivência do autor na graduação (bacharelado/licenciatura) e a
observação de documentos oficiais, em livros didáticos de que não há uma
preocupação em mencionar a cultura africana, podemos entender concretamente o
que é uma institucionalização da
invisibilidade com o auxílio da citação do professor Silvio Almeida que
nos apresenta com muita clareza a questão do racismo institucional em seu
livro.
Diante do que foi posto
torna-se importante percebermos que
estamos inseridos dentro de uma estrutura que perpetua a invisibilidade da
cultura africana, portanto uma atitude antirracista passa pela necessidade de
perguntarmos porque não há a efetivação da lei instituída em 2003 que prevê a
obrigatoriedade do ensino da cultua e história de África no ensino público e
particular em todo território nacional? Se documentos oficiais e livros
didáticos continuarem a não incluir em seus conteúdos a história da África
dificilmente assistiremos a implementação desse ensino. Ao mesmo tempo como não
poderia deixar de ser assim como no passado autores como Abdias do Nascimento,
Clóvis Moura, Florestam Fernandes levantaram essa questão hoje também
encontramos entre os intelectuais como Silvio Almeida, Ney Lopes-Milton Santos
possibilidades de pensar essa invisibilidade e entender a resistência ao ensino
da cultura africana. Não podemos esquecer que além da questão que já foi
colocada a respeito das dificuldades de implementação de um ensino, há também
as condições de infraestrutura. As unidades de ensino públicas que dependem de
políticas públicas estão sempre a mercê daqueles que são responsáveis por essas
políticas. Como já mencionamos há em nossa sociedade uma institucionalização do
indivíduo negro, fruto de um passado. No caso da instituição a escola, também,
pode ser um difusor desses estereótipos como nos diz Silvio Almeida em racismo
estrutural.
A escola reforça todas estas percepções ao
apresentar um mundo em que negros e negras não tem muitas contribuições
importantes para a história, literatura, ciência e afins, resumindo-se a
comemorar a própria libertação graças a bondade de brancos conscientes.
(ALMEIDA,2018.p.51).
Segundo
Silvio Almeida as condições de permanência e reprodução do racismo só são
possíveis porque as instituições reforçam o imaginário construído ao longo de
anos. A sala de aula, nesse sentido, pode se transformar em espaço privilegiado
para que a desconstrução deste imaginário seja feita na medida em que apresentemos outras
narrativas. Abdias do Nascimento reforça a ideia de perpetuação desse
imaginário de inferioridade.
O
sistema educacional funciona como aparelhamento de controle nessa estrutura de
discriminação cultural. Em todos os níveis do ensino brasileiro-primário
secundário, universitário- o elenco das matérias ensinadas, como se executasse
o que havia previsto a frase de Silvio Romero, constitui um ritual da
formalidade e da ostentação das salas da Europa e mais recentemente, dos
Estados Unidos. Se a consciência é memória e futuro, quando e onde está a
memória africana, parte inalienável da consciência brasileira, no currículo
escolar?
Diante desta citação segundo Abdias
do Nascimento é mais que urgente que educadores promovam em suas salas de aula
possibilidade para que o aluno possa ter contato com uma perspectiva crítica a
respeito da realidade da formação e nosso pais que envolve necessariamente a
contribuição da cultura africana e seus conhecimentos. Acreditamos que o fortalecimento
e também a ampliação da lei 10.639/2003 contemple não só a discussão sobre a
necessidade de repensarmos a ideia construída de “democracia racial”, no âmbito
mais particular de problemas relacionados a discriminação e ao racismo como também
toca no aspecto mais abrangente relacionado ao que conhecemos como Etnocentrismo
que
Consiste
em postular indevidamente como valores universais os valores próprios da
sociedade e da cultura a que o indivíduo pertence. Ele parte de um particular
que se esforça em generalizar e deve, a todo custo, ser encontrado na cultura
do outro (GOMES, 2005, p.53)
Como é possível constatar com o que
foi colocado até aqui, as camadas do problema que envolve a implementação do
ensino da cultura e história de África no ensino são muitas. Elas envolvem
questões sociológicas, antropológicas da história da construção da sociedade
brasileira que nas suas contradições parece não ceder a realidade sobre a existência
de uma diversidade racial que ao contrário do que muitos defendiam no passado
configura uma riqueza e não uma deficiência ou degeneração. Encontramos essas
contradições registradas na obra de Euclides da Cunha Sertões (1902) revelando a
influência de teorias deterministas de sua época.
Alguns
firmando preliminarmente, com autoridade discutível, a função secundária do
meio físico e decretando preparatoriamente a extinção que se completa do silvícola
e a influência descrente do africano depois da abolição do tráfico, preveem a
vitória final do branco, mais números e mais forte, como termo geral de uma
série para o qual tendem o mulato, forma cada vez mais diluída do negro, e o
caboclo, em que se apagam, mais depressa ainda, os traços característicos do aborígene(
CUNHA,2008,p.76)
Para não ficar apenas nesse
intelectual citamos também Gilberto Freire que contribuiu enormemente para
construção do “mito da democracia racial” a partir da obra Casa Grande e Senzala
(1933) que invisibilizava os conflitos e contradições das relações entre as culturas
que compõe a sociedade brasileira, fundada a partir da escravização de
africanos e indígenas. Esses dois
exemplos nos servem para entendermos como a produção científica difundida nas
universidades alimentam a subjetividade dos cidadãos. Por esse motivo, então, a
importância da lei 10.639/2003 sobre a obrigatoriedade do Ensino da cultura e
história da África.
A
interpretação de Gilberto Freire do Brasil, infelizmente, ainda é muito forte
na sociedade brasileira, na esfera política, na escola, entre outros espaços
sociais importantes, e tem colocado limites e empecilhos no posicionamento da
sociedade brasileira na luta contra o racismo (GOMES,2005, p.59)
Com o que foi posto até é possível
fazermos uma estimativa dos motivos pelos quais a lei 10.639/2003 não encontra
efetividade, existindo tão somente como uma orientação no lugar de lei
obrigatória.
Não basta que o presidente da
República sancione uma lei para que ela se efetive é necessário muito mais e já
constatamos anteriormente que sem uma produção
acadêmica que questione ou revise aquilo que já foi produzido não há possibilidade
de uma transformação. Os cursos que são responsáveis pelas licenciaturas
necessitam urgentemente que se inclua em seus planos autores e pesquisadores
que tratem sobre cultura e história da África e suas relações com a construção
da sociedade brasileira, pois esse processo é demorado. Aqui mesmo citamos
nomes de alguns intelectuais que já produzem pensamento crítico a respeito do
tema. Essas produções acadêmicas, uma vez difundidas, podem ter os seus
resultados absorvidos por livros didáticos que chegarão até as salas de aula e
encontrarão os professores que passarão por uma formação ligada a questão da
implementação do ensino da cultura e história de África. Na introdução do livro
“histórias, culturas e territórios negro na Educação” lemos o seguinte trecho
com relação a implementação da lei
Sua
efetiva implementação político pedagógica vem sendo discutida n sociedade e, no
Rio de Janeiro, já conta com a atenção e fiscalização do ministério público,
porém o debate ainda está muito restrito ao âmbito acadêmico e pouco presente
nas práticas do ensino básico (NASCIMENTO et al 2008, p.6)
Nesse
mesmo livro que reúne uma série de artigos que tratam sobre relações ético-raciais
e o ensino ea implementação de uma reeducação observamos o registro daquilo que
constatamos na realidade, a saber, que apesar de inúmeros encontros e simpósios
debates e palestras não há constatação de uma real implementação daquilo que os
artigos da lei 10.639/2003 prevê em seu texto.
Ainda é tímida a inclusão de conteúdos relacionados ao ensino da
produção cultural africana estando, o debate registro a esfera acadêmica.