segunda-feira, 31 de janeiro de 2022

Agradecimento a homenagem

 "Sou professor a favor da espernça que me anima apesar de tudo. Sou professor contra o desengano que me consome e imobiliza. Sou professor a favor da boniteza de minha própria prática,boniteza que dela some se não cuido do saber que devo ensinar, se não brigo por este saber, se não luto pelas condições materiais necessárias sem as quais meu corpo, desculdado, corre o risco de se amofinar e de ja não ser testemunho que deve ser de lutador pertinaz, que cansa mas não desiste"  (FREIRE, 2010,103)

      Quando recebi o comunicado de que seria o professor homenageado pela turma do 3ºano de 2021, fui tomado por um misto de sentimentos. Logo de cara uma sensação de surpresa que foi ganhando, aos poucos, um sabor de alegria misturada com uma leve tristeza. Mas entendam que não se trata de uma alegria triste porque esta representa a desesperança, mas de uma tristeza alegre que mais se aproxima de um choro emocionado. Ao fim de tudo esse misto de emoões  me fez lembrar a esperança da qual Paulo Freire nos fala e ele explica que A desesperança é a negação da esperança. A esperança é uma espécie de ímpeto natural possível e necessário, a desesperança é o aborto deste ímpeto ( FREIRE:2010, 72).

       Minha esperança é de que vocês perseverem em seus sonhos, que estabeleçam para si mesmos perspectivas mais amplas alicerçadas na certeza de que vale a pena o esforço por meio do estudo e da amplianção do conhecimento porque como nos lembra o professor Alejandro Cerletti A globalização, a cormecialização em larga escala e a oniprsença do discurso empresarial mercantilizaram a forma de compreender o mundo e as relações sociais. Esse estado fa coisas, que aparece como óbvio e natural pode e deve ser abordado com agudeza. A necessidade da Arte e da Filosofia nesta época se justifica pela radicalidade do interrogar ( CERLETTI: 2009,53).   Minha esperança é que você tenham a cosnciência de que,  neste mundo, aquilo que tem valor não nos é dado gratuitamente. É preciso lutar, trabalhar, enfrentar as dificuldades para ultrapassar os obstáculos e aqui aproveito a oportunidade para agradecer-lhes não só a hpmenagem que me fazem, mas também a presença, a persistência e a consideração nas aulas remotas do inicio do ano passado, quantas mensagens particulares eu recebi? algumas avisando o motivo da falta, outras mencionando o desânimo e a dificuldade de ficar em frente a tela, outras ainda agradecendo pelas aulas e a injeção de ânimo provocada por elas. Essas aulas se mostraram um teste de resistênciae aprendizado para mim também, afinal de contas o professor que vos fala continua sendo aluno. Segundo o professor Gabriel Parrisé:

 Em sala de aula e em todos o lgares ( todos os lugares são virtualmente bons para se aprender) o aluno que cada um de nós é compara o que sabia com o que aprendeu, seleciona do que aprendeu o que lhe interessa, adota, incorpora o que lhe interessa aprender. Para que eu possa conferir valor ao professor, é preciso que o professor saiba identificar-se com o valor do aprender , e que ele me ensine a aprender mais e melhor, n pré escola, no ensino médio, na graduação, no ensino formal e informal, com livros ou com plicativos, pelo método tradicional ou outro método ad infinitum( PERISSÈ:2000, 170).

    Devo confessar a vocês  que todas as vezes que entro em sala de aula, Remota ou presencial, me imagino como um aluno, porque assim como vocês frequentei , na maior parte de minha vida, instituições públicas de ensino, desde o fundmantal, ensino médio, graduação e pós- graduação e por isso também os encorajo a não dar ouvidos aqueles que por ventura venham lhes dizer: Ah!!! fazer faculdade pra que? Não dê atenção a esse tipo de comentári, concentre-se no seu objetivo. Para concluir, gostaria de lembrar-lhes o que não se deve esquecer. Em primeiro lugar; aquilo que já lhes disse: Alimentem seus sonhos. EM egundo lugar; sejam gratos aos seus pais e responsáveis porque se estamos aqui, e eu me inclou nisso, foi porque alguém abriu mão até mesmo dos próprios sonhos por nós. Quando você reencontraem seus esponsáveis , ao final da cermônia, agradeça. E por útlimo mas não menos importante; não esqueça de agradecer a Deus responsável pela nossa existência. Encerro lembrando que as palavras que lhes disse  estão carregadas, também, de conselhos e comentários dos professores que me formaram, pois os trago comigo. Desejo que o Senhor Jesus Cristo os abençoe abundantemente lhes conferindo espírito de intrepidez e corajem para enfrentar os próximos desafos. Parabéns aos alunos do 3ºano de 2021 do Colégio Estadal Matemático Joaquim Gomes de Sousa.       
 
                     

          

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2021

Filosofia Africana e seu ensino

 

Estamos em 2021 e desde o ano de 2003 já existe uma lei que orienta escolas da rede Pública e Privada  fazer a apresentação da cultura e história da  Àfrica  nas do núcleo comum do currículos escolar. A lei 10.639/2003 estabelece as diretrizes e bases da Educação nacional, para incluir no currículo oficial da Rede de Ensino a obrigatoriedade da temática “ história e cultura afro brasileira.  Esse trabalho procura refletir sobre a obrigatoriedade diante da experiência na ministração da disciplina Filosofia.  O autor deste texto procurando atender a lei incluiu no seu plano de aula uma introdução à Filosofia Africana, para o 1º ano do Ensino Médio no colégio Estadual Brigadeiro Castrioto, em Níterói. O objetivo, aqui, será apresentar, de forma sucinta, os motivos pelos quais 17 anos após a promulgação da lei não é possível se verificar a aplicabilidade da mesma refletida no dia-a-dia dos alunos da rede Pública. De fato é pertinente  trazer o tema ao debate diante dos tantos questionamentos que se repetem, por parte dos alunos sobre a origem da Filosofia. Abdias do Nascimento em seu livro, “ Quilombismo”, Afiirma:

   Do século VI antes de Cristo até a morte de Aristóteles ( 322 antes de Cristo) os Gregos aproveitaram o melhor que puderam as chances de aprender o que puderam o que pudessem sobre a cultura egípcia. Muitos estudantes receberam instruções diretamente dos sacerdotes egípcios, porém, depois da invasão de Alexandre Magno, os templos reais e as bibliotecas foram saqueadas e pilhadas, e oa  escola de Aristóteles converteu a biblioteca de Alexandria em centro de pesquisas. (GEORGE JAMES apud NASCIMENTO: 2019, p.130)

 

Assim  como outros autores, Abdias defende a tese de que a Filosofia nasceu em Àfrica, entre os egípcios; os Gregos adquiriram pelos Egípcios o conhecimento filosófico que, fora sistematizado e difundido como se houvera nascido na Grécia.

 

Os verdadeiros autores da Filosofia grega não foram os Gregos, mas o povo da África do Norte comumente chamados de Egípcios; e o elogio e a honra falsamente atribuídos aos Gregos durante séculos pertence ao povo da África do Norte e , desta forma, ao continente Africano.  Consequentemente este roubo do legado africano pelos Gregos levou a opinião mundial ao erro de que o continente africano não deu nenhuma contribuição à civilização e que seu povo está naturalmente na retaguarda. Essa distorção se tornou a base do preconceito racial que tem afetado todos os povos de cor. ( NASCIMENTO:2019, p.130)  .

 

            Ainda que o autor seja enfático ao falar sobre o “roubo” do legado africano a partir dessas citações, deve-se refletir sobre a recusa em falarmos das contribuições do povo africano para a cultura , de uma forma ampla e, mais especificamente, da produção do conhecimento filosófico justificando, de certa maneira, o preconceito sofrido há séculos como consequência da forma como é forjada a estrutura da sociedade brasileira .

            O tema da escravidão do povo africano não deveria ser o único a fazer parte dos livros didáticos visto que além da diversidade de nações africanas e portanto, de línguas e costumes distintos, também existem concepções e modos de vida diversos no continente africano, seja político, linguístico ou geográfico. O Brasil é um pais que respira a cultura africana, impregnado de África. No entanto, narrativas oficiais somadas a pedagogia   televisiva instaurou em nosso imaginário coletivo a ideia da subordinação do negro. Este longo processo merece uma revisão a partir de um estudo sério e profundo da cultura o negro brasileiro. Clóvis Moura apresenta aspectos importantes sobre abordagens que desvalorizavam o negro como agente social possuidor de um passado histórico.

   

    Todos esses trabalhos procuravam ver, estudar e interpretar o negro não como um ser socialmente situado numa determinada estrutura, isto é, como escravo ou ex-escravo, mas como simples componente de uma cultura diferente do ethos nacional. Dai vermos tantas pesquisas serem realizadas sobre seu mundo religioso em nível etnográfico e acerca de tudo aquilo que implicava diferença do padrão ocidental, tido como normativo e tão poucos estudos sobre a situação do negro durante a sua trajetória histórica e social (MOURA, 2019, p.43)

 

            É imperioso, portanto, que o ensino da cultura e história da África privilegie a observação cuidadosa do que o indivíduo que produziu esta história sob as conhecidas condições, em nossa sociedade, cientes de que a tal “democracia racial” é uma ilusão. Essa ideia foi difundida inclusive por intelectuais ao longo da história a partir do fato de existir uma miscigenação resultados do encontro de diferentes culturas e povos. Reverter essas construções desenvolvidas por longo tempo não é um trabalho fácil. No entanto, é urgente que se faça uma análise a partir de autores que já denunciaram essa condição, no passado, bem como outros que atualmente apresentam reflexões a esse respeito. Esse olhar para o passado auxilia, então, na compreensão de como se estrutura o pensamento racista e como esse pensamento norteia comportamentos e orientações educacionais.   

            No campo da filosofia observa-se um quase total silenciamento a respeito do pensamento filosófico africano. Esse silenciamento se dá no âmbito da universidade e, por consequência, nos ensinos fundamental e médio já que aqueles que lecionam na etapas iniciais da Educação tiveram sua formação em espaços que sempre desconsideraram a produção do conhecimento filosófico africano.

            O mais interessante é que esse silenciamento sobre a produção filosófica de origem africana não é uma hipótese, mas uma realidade materializada, em nosso dia-a-dia. Para exemplificar o que afirmamos realizou-se uma pesquisa de dados a respeito do tema em cinco livros didáticos adotados pelo plano nacional do livro didático (PNLD) em apenas um deles trás, entre seus conteúdos assunto apresentando o pensamento filosófico africano de forma introdutória. Os outros quatro livros não fazem sequer menção ao fato de existir um pensamento filosófico africano. Na aberturado capítulo do livro Reflexões: Filosofia e cotidiano, lemos o seguinte;

 

De que maneira a negritude remete ao passado africano? E de que forma esse conhecimento da identidade negra africana e afro brasileira pode contribuir para reflexão filosófica? ( VASCONCELOS:2016,p.362)

 

            A unidade do livro onde se insere o capítulo que trata da produção filosófica africana também nos apresenta uma pista interessante do problema que enfrenta-se, ou seja, “ para além do Eurocentrismo” é o olhar que possibilita que aprendamos mais sobre essa produção silenciada durante séculos. Cabe aqui lembrarmos que não se trata de substituir um pensamento filosófico sedimentado, esse que aprendemos. Que se aceitou como cultura que fundou a filosofia, o pensamento grego por um pensamento africano. O que refletimos nesse trabalho é a importância desse conhecimento não só ganhar visibilidade como também poder servir de ferramenta de interpretação da realidade.  As perguntas da citação acima nos remeterão a outros problemas enfrentados na sociedade. Neste trabalho nos limitaremos a invisibilização do ensino da filosofia africana na rede Educacional.

            Só foi possível abordar esse assunto a partir da necessidade de lecionar a filosofia africana como complemento do plano de aula da disciplina filosofia no colégio Estadual Brigadeiro Castrioto em Niterói. Essa unidade escolar de horaério integral possui no seu núcleo comum a disciplina filosofia. Durante todo o período da graduação esse autor não obteve contato com nenhum material ou aula que abordasse a filosofia Africana nem mesmo nas disciplinas voltadas para a licenciatura que tem como objetivo formar novos professores. Por iniciativa particular e a partir do conhecimento da existência da lei iniciei a procura por livros didáticos que abordassem o tema e servissem de material de apoio para ministração das aulas. O que confirma a citação de Santos (2005) “que a implementação do ensino sobre cultura africana depende da vontade e dos esforços dos professores para que esse ensino seja ministrado em sala de aula”.

            Ao consultarmos o documento que norteia ou aponta caminhos para uma ação pedagógica nos deparamos com uma pobreza de conteúdo. O documento na sua completude é de uma generalidade impar e em nenhum momento faz referências a outros modos de pensar que não sejam Gregos.  Não é necessário muito tempo de leitura do documento “ currículo mínimo 2012 Filosofia”  para constatarmos aquilo que já mencionamos anteriormente, a saber, o silenciamento e nesse caso a invisibilidade do pensamento africano e sua contribuição para a cultura brasileira. Da mesma forma podemos observar a ausência de conteúdo relacionado a filosofia africana nos livros didáticos adotados pelo plano nacional do livro didático. Cabe, então, ao professor que se interesse  implementar o conteúdo relacionado a filosofia africana  buscar material por conta própria ainda que com dificuldade pois

A legislação federal, segundo o nosso entendimento, é bem genérica e não se preocupa com a implementação adequada do ensino sobre história e cultura afro-brasileira. Ela não estabelece metas para a implementação da lei, não se refere a necessidade de qualificar os professores do ensino fundamental e médio para ministrarem. O que é grave segundo nosso entendimento, a necessidade as universidades reformularem os seus programas de ensino e/ou cursos de graduação, especificamente os de licenciatura para formarem professores aptos a ministrarem o ensino sobre história e cultura afro brasileira. Ou seja, vai depender da vontade e dos esforços dos professores para que o ensino sobre a história e cultura afro brasileira seja   ministrada em sala de aula  (SANTOS, 2005.p.33).

 

A falta de material que possibilite a implementação do ensino da história e cultura africana somada a ideia já cristalizada de que o negro é inferior em virtude de sua condição de escravo em um  passado não muito distante reforçam a permanência daquilo que conhecemos como “racismo estrutura”. Essa invisibilização está estrutura e profundamente arraifgada na subjetividade  coletiva .    Segundo Silvio Almeida

Como a instituição tem sua atuação condicionada a uma estrutura social previamente existente – com todos os conflitos que lhe são próprios- o racismo que esta instituição venha expressar é também parte desta mesma estrutura. As instituições são apenas a materialização de uma estrutura social ou de um modo de socialização que tem o racismo como um de seus componentes orgânicos. Dito de modo mais direto: As instituições são racistas porque a sociedade é racista.( ALMEIDA,2018,p.36).

 

            Portanto, a partir da constatação pela própria vivência do autor na graduação (bacharelado/licenciatura) e a observação de documentos oficiais, em livros didáticos de que não há uma preocupação em mencionar a cultura africana, podemos entender concretamente o que é uma institucionalização da  invisibilidade com o auxílio da citação do professor Silvio Almeida que nos apresenta com muita clareza a questão do racismo institucional em seu livro.

            Diante do que foi posto torna-se  importante percebermos que estamos inseridos dentro de uma estrutura que perpetua a invisibilidade da cultura africana, portanto uma atitude antirracista passa pela necessidade de perguntarmos porque não há a efetivação da lei instituída em 2003 que prevê a obrigatoriedade do ensino da cultua e história de África no ensino público e particular em todo território nacional? Se documentos oficiais e livros didáticos continuarem a não incluir em seus conteúdos a história da África dificilmente assistiremos a implementação desse ensino. Ao mesmo tempo como não poderia deixar de ser assim como no passado autores como Abdias do Nascimento, Clóvis Moura, Florestam Fernandes levantaram essa questão hoje também encontramos entre os intelectuais como Silvio Almeida, Ney Lopes-Milton Santos possibilidades de pensar essa invisibilidade e entender a resistência ao ensino da cultura africana. Não podemos esquecer que além da questão que já foi colocada a respeito das dificuldades de implementação de um ensino, há também as condições de infraestrutura. As unidades de ensino públicas que dependem de políticas públicas estão sempre a mercê daqueles que são responsáveis por essas políticas. Como já mencionamos há em nossa sociedade uma institucionalização do indivíduo negro, fruto de um passado. No caso da instituição a escola, também, pode ser um difusor desses estereótipos como nos diz Silvio Almeida em racismo estrutural.

  

 A escola reforça todas estas percepções ao apresentar um mundo em que negros e negras não tem muitas contribuições importantes para a história, literatura, ciência e afins, resumindo-se a comemorar a própria libertação graças a bondade de brancos conscientes. (ALMEIDA,2018.p.51).

 

Segundo Silvio Almeida as condições de permanência e reprodução do racismo só são possíveis porque as instituições reforçam o imaginário construído ao longo de anos. A sala de aula, nesse sentido, pode se transformar em espaço privilegiado para que a desconstrução deste imaginário seja feita  na medida em que apresentemos outras narrativas. Abdias do Nascimento reforça a ideia de perpetuação desse imaginário de inferioridade.

O sistema educacional funciona como aparelhamento de controle nessa estrutura de discriminação cultural. Em todos os níveis do ensino brasileiro-primário secundário, universitário- o elenco das matérias ensinadas, como se executasse o que havia previsto a frase de Silvio Romero, constitui um ritual da formalidade e da ostentação das salas da Europa e mais recentemente, dos Estados Unidos. Se a consciência é memória e futuro, quando e onde está a memória africana, parte inalienável da consciência brasileira, no currículo escolar?

 

            Diante desta citação segundo Abdias do Nascimento é mais que urgente que educadores promovam em suas salas de aula possibilidade para que o aluno possa ter contato com uma perspectiva crítica a respeito da realidade da formação e nosso pais que envolve necessariamente a contribuição da cultura africana e seus conhecimentos. Acreditamos que o fortalecimento e também a ampliação da lei 10.639/2003 contemple não só a discussão sobre a necessidade de repensarmos a ideia construída de “democracia racial”, no âmbito mais particular de problemas relacionados a discriminação e ao racismo como também toca no aspecto mais abrangente relacionado ao que conhecemos como Etnocentrismo que

Consiste em postular indevidamente como valores universais os valores próprios da sociedade e da cultura a que o indivíduo pertence. Ele parte de um particular que se esforça em generalizar e deve, a todo custo, ser encontrado na cultura do outro (GOMES, 2005, p.53)

 

            Como é possível constatar com o que foi colocado até aqui, as camadas do problema que envolve a implementação do ensino da cultura e história de África no ensino são muitas. Elas envolvem questões sociológicas, antropológicas da história da construção da sociedade brasileira que nas suas contradições parece não ceder a realidade sobre a existência de uma diversidade racial que ao contrário do que muitos defendiam no passado configura uma riqueza e não uma deficiência ou degeneração. Encontramos essas contradições registradas na obra de Euclides da Cunha Sertões (1902) revelando a influência de teorias deterministas de sua época.

Alguns firmando preliminarmente, com autoridade discutível, a função secundária do meio físico e decretando preparatoriamente a extinção que se completa do silvícola e a influência descrente do africano depois da abolição do tráfico, preveem a vitória final do branco, mais números e mais forte, como termo geral de uma série para o qual tendem o mulato, forma cada vez mais diluída do negro, e o caboclo, em que se apagam, mais depressa ainda, os traços característicos do aborígene( CUNHA,2008,p.76)  

 

            Para não ficar apenas nesse intelectual citamos também Gilberto Freire que contribuiu enormemente para construção do “mito da democracia racial” a partir da obra Casa Grande e Senzala (1933) que invisibilizava os conflitos   e contradições das relações entre as culturas que compõe a sociedade brasileira, fundada a partir da escravização de africanos e indígenas.  Esses dois exemplos nos servem para entendermos como a produção científica difundida nas universidades alimentam a subjetividade dos cidadãos. Por esse motivo, então, a importância da lei 10.639/2003 sobre a obrigatoriedade do Ensino da cultura e história da África.   

A interpretação de Gilberto Freire do Brasil, infelizmente, ainda é muito forte na sociedade brasileira, na esfera política, na escola, entre outros espaços sociais importantes, e tem colocado limites e empecilhos no posicionamento da sociedade brasileira na luta contra o racismo (GOMES,2005, p.59)   

 

            Com o que foi posto até é possível fazermos uma estimativa dos motivos pelos quais a lei 10.639/2003 não encontra efetividade, existindo tão somente como uma orientação no lugar de lei obrigatória.

            Não basta que o presidente da República sancione uma lei para que ela se efetive é necessário muito mais e já constatamos anteriormente que sem  uma produção acadêmica que questione ou revise aquilo que já foi produzido não há possibilidade de uma transformação. Os cursos que são responsáveis pelas licenciaturas necessitam urgentemente que se inclua em seus planos autores e pesquisadores que tratem sobre cultura e história da África e suas relações com a construção da sociedade brasileira, pois esse processo é demorado. Aqui mesmo citamos nomes de alguns intelectuais que já produzem pensamento crítico a respeito do tema. Essas produções acadêmicas, uma vez difundidas, podem ter os seus resultados absorvidos por livros didáticos que chegarão até as salas de aula e encontrarão os professores que passarão por uma formação ligada a questão da implementação do ensino da cultura e história de África. Na introdução do livro “histórias, culturas e territórios negro na Educação” lemos o seguinte trecho com relação a implementação da lei

Sua efetiva implementação político pedagógica vem sendo discutida n sociedade e, no Rio de Janeiro, já conta com a atenção e fiscalização do ministério público, porém o debate ainda está muito restrito ao âmbito acadêmico e pouco presente nas práticas do ensino básico (NASCIMENTO et al 2008, p.6)

 

Nesse mesmo livro que reúne uma série de artigos que tratam sobre relações ético-raciais e o ensino ea implementação de uma reeducação observamos o registro daquilo que constatamos na realidade, a saber, que apesar de inúmeros encontros e simpósios debates e palestras não há constatação de uma real implementação daquilo que os artigos da lei 10.639/2003 prevê em seu texto.  Ainda é tímida a inclusão de conteúdos relacionados ao ensino da produção cultural africana estando, o debate registro a esfera acadêmica.                              

                      

                                                        

 

                           

           

sábado, 13 de fevereiro de 2021

Vivendo o ensino Remoto

 

 

Não posso apenas falar bonito sobre as razões ontológicas, epistemológicas e políticas da teoria. O meu discurso sobre a teoria deve ser o exemplo concreto, prático, da teoria. Sua encarnação. Ao falar da construção do conhecimento, criticando a sua extensão, já devo estar envolvido nela, e nela, a construção, estar envolvendo os alunos.  (FREIRE, 1996, 47/48)     

 

A antes simbólica relação entre o ensino formal com a presença física do professor em sala de aula , e o ensino remoto quando este já se constrói virtualmente hoje, configura-se como uma relação de produção real educativa a partir de um contexto pós -moderno o hiper-real conforme conceito de 1999, dado por Baudrillard , ao contemporâneo saturado pela superposição de tragédia e valores relativizados, diante do desafio  imposto pelo novo corona vírus (COVID-19) 

O virtual coincide coma noção de hiper-realidade. A realidade virtual, a que seria perfeitamente homogeneizada, colocada em números, “operacionalizada”, substituía outra porque ela é perfeita, controlável e não contraditória. Por conseguinte, como ela é mais real do que o que construímos como simulacro (BAUDRILLARD, 2002, pág.41-42)    

 

Na atualidade o educador, inevitavelmente, se encontra obrigado a trabalhar com o ensino remoto cuja tendência é o estudo híbrido mesclando o fazer presencial ao fazer a distância.  Tal relação afeta o exercício docente, bem como o desempenho discente e promove, debates e questionamentos necessários por parte de especialistas em Educação.

O ensino EAD que se diferencia em vários aspectos do ensino REMOTO, não é, exatamente, uma novidade e já tem sido utilizado em cursos de pós-graduação e, mesmo, em alguns casos, na graduação. O ensino REMOTO , que neste momento, tem sido utilizado nos lança o desafio, neste momento, que parece ser,  então, o como encontrar as melhores maneiras de uso das ferramentas disponíveis para que se mitigue, por hora, os prejuízos causados pela necessidade do isolamento social em virtude da gravidade apresentada pelo novo vírus COVID-19.

O presente trabalho tem como objetivo apresentar os caminhos percorridos por profissionais da Educação, que se veem diante da necessidade de lançar mão de ferramentas tecnológicas. Aqui tratamos, especialmente, no Ensino Médio nas disciplinas de Arte e Filosofia ministradas em unidades públicas, a saber, Colégio Estadual Brigadeiro Castrioto e Colégio Estadual Matemático Joaquim Gomes de Sousa intercultural Brasil China. Os dois localizados no município de Niterói.  Desde o dia 14 de março deste ano as aulas, presenciais, estão suspensas oficialmente pela Secretaria de Educação do Estado do Rio de Janeiro atendendo as recomendações de órgãos de controle sanitário. Em Abril a Secretaria colocou em funcionamento o sistema Google Classroom de sala de aula virtual para atender, emergencialmente, aos alunos da rede.

A plataforma “Google Classroom”, na verdade, é um lugar onde é possível armazenar conteúdos para que os alunos tenham acesso as tarefas e materiais.  Esse é um dos dispositivos disponíveis para um atendimento remoto inicial. De forma Assíncrona, ou seja, professor e aluno não precisam necessariamente estar presente no mesmo horário. 

A plataforma “Google Classroom” possui uma forma simples de navegação permitindo ao aluno o acesso aos matérias (Textos, vídeos.) disponibilizados pelos professores. A plataforma que origina esse processo do ensino a distância (EAD) é aquela conhecida como MOODLE que também permite o armazenamento de conteúdos e possui o dispositivo do FÓRUM que promove uma interação entre os participantes de forma textual em tempo real ou não (Assíncrona ou Síncrona). Esse dispositivo inicial como espaço de troca exige do aluno participante um domínio da palavra escrita, já que não possibilidade de contato direto com o professor, ou seja, em um olhar um pouco mais crítico esse seria já um primeiro obstáculo para aqueles alunos que não possuem o hábito da leitura-escrita. Motivo pelo qual, acreditamos, ser a aceitação desta modalidade, a nos referimos ao Google Classroom, com pouca participação do aluno.

Pensando sobre essa modalidade, se possuíssemos apenas essa opção não acreditamos que ela teria eficácia no Ensino Médio, diante da já tão pequena participação, por diversos motivos, dos alunos no dispositivo “Google Classroom”. 

 

 

 

1.      A profundando a questão

Aqui não se trata o Ensino remoto sem considerar as suas inúmeras dificuldades, não só de acesso, mas também as dificuldades já existentes no meio Educacional.  Diante da adoção do ensino remoto se observa, senão um aprofundamento das desigualdades, a constatação de que muitos não possuem acesso à rede. É preciso lembrar que as desigualdades sociais bem como a “exclusão digital” não foram produzidas pelo evento COVID-19, mas fazem parte de nossa realidade já marcada por diferenças gritantes.  Nesse percurso de utilização dos dispositivos ou ferramentas disponíveis para o ensino remoto, também esbarramos com problemas antigos que a Educação, agora nomeada como presencial, luta para superar.  Não há como tratar da Educação remota sem falarmos da Educação que acontece presencialmente, pois é muito explicito que as questões, incertezas  e desafios apresentados  pelo ensino remoto , em parte, encontram resistência também porque hábitos e comportamentos que ainda  nos parecem deficitários no Ensino presencial comprometem o desempenho do aluno nesse novo meio virtual, assim como as ações envolvendo políticas públicas relacionadas a Educação pois como reflete Demerval Saviani em Escola e Democracia

Se a Educação se revelou incapaz de redimir a humanidade através da ação pedagógica, não se trata de reconhecer seus limites, mas alargá-las ; atribui-se a Educação um conjunto de papeis que no limite abarcam as diferentes modalidades de política social. A consciência e a pulverização de esforços e de recursos com resultados praticamente nulos do ponto de vista, propriamente, Educacional. (SAVIANI, 2009, pág.30-31)

 

            O que Saviani apresenta revela dificuldades anteriores e inerentes ao sistema Educacional como um todo, problemas que não foram superados, mas que os profissionais da Educação precisam enfrentar no seu dia-a-dia.

            A necessidade de aprender a utilizar as ferramentas para atuar em um ambiente online se soma as mazelas que o sistema educacional já possui e que autores como Paulo Freire, Demerval Saviani e Moacyr Gadotti, refletem e problematizam. O educador, professor que vivencia todos esses conflitos é convocado a refletir não só sobre os possíveis benefícios do ensino remoto mas também como essas ferramentas  podem ser favoráveis aos que não tem acesso à Educação formal, aos que a cada dia possuem menores possibilidades de experimentarem uma  mobilidade social, justamente, pela dificuldade em levarem a cabo sua formação acadêmica. Enfim pensar sobre as consequências da adoção intempestiva desse meio. Portanto o tema em questão, Ensino Remoto, apresenta uma complexidade impar e exige a responsabilidade ao refletirmos sobre ele pois,

Como a Educação se destina (senão de fato, pelo menos de direito) a promoção do homem, percebe-se já a condição básica para alguém ser Educador: ser um profundo conhecedor do homem.  (SAVIANI,1986, pág.39).

 

            Nesse sentido nos coloca-se  nesse trabalho objetivo secundário, já descrito, de também encontrar o lugar do nosso aluno nesse novo cenário que, como também já afirmamos, incorpora, de forma intempestiva, uma modalidade de educação nas  vidas dos profissionais da Educação sem que possam fazer a escolha de aceitar ou não

 

Muitas vezes, enquanto discutimos sobre possíveis usos de uma dada tecnologia, algumas formas de usar já se impuseram.  Antes de nossa conscientização a dinâmica coletiva escavou seus atratores. Quando finalmente prestamos atenção, é demasiado tarde. Enquanto ainda questionamos, outras tecnologias emergem na fronteira nebulosa onde são inventadas as ideais as coisas e as práticas. (LEVY, 1997, pág.24)

 

 

            Pierre Levy no livro cibercultura dá ensejo a que se  problematize a questão do uso de tecnologias na sociedade de um modo geral e aqui especificamente na área da Educação. A citação descreve exatamente a situação em que nos encontramos, a saber, desde que foi inicialmente inserido em nosso meio o ensino a distância tem sido motivo de debates em seus aspectos positivos e negativos ao mesmo tempo em que questões básicas do ensino presencial não encontram soluções e nem formas eficazes de atender com qualidade e igualdade aqueles que mais necessitam. 

            O dilema no qual nos encontramos hoje, verdadeiramente, não é se os recursos sejam acessíveis a todos pois a exclusão digital também é uma preocupação, mas como fazer com que esses recursos sejam bem utilizados sem passar por uma idealização.  Pelo menos esse parece ser a maior dificuldade imposta por uma desigualdade social que antecede ao fenômeno da pandemia.  Nesse trabalho não nos furtaremos a trazer essa questão para discussão na medida em que descreveremos nossa própria experiência nesse tempo de incertezas e emergências e

 

Aquilo que identificamos, de forma grosseira como “novas tecnologias” recobre na verdade a atividade multiforme de grupos humanos, um devir coletivo complexo que se cristaliza sobretudo em volta de objetos materiais, de programas de computador e de dispositivos de comunicação. É o processo social em toda sua opacidade, é a atividade dos outros, que retorna para o individuo sob a máscara estrangeira, inumana da técnica. (LEVY, 1997, pág. 30).

 

 

O trabalho se situa, então, não no enaltecimento cego do ensino remoto mas na tentativa de compreender os impactos efetivos destas ferramentas em um processo já tão dificultoso da Educação pública no Ensino Médio envolvendo jovens que apesar de estarem conectados a seus celulares diariamente encontram, hoje, dificuldade de interagir em meetings (Síncrona) ou mesmo responder a tarefas que são postadas em plataformas tal qual a já mencionada “Google Classroom”(Assíncrona).  No livro cibercultura Pierre Levi vislumbra as possibilidades de uma inteligência coletiva que a partir dos encontros na rede podem compartilhar informações, debater assuntos, encontro de pesquisadores e estudantes de todo o mundo e que compartilhem suas ideias. No entanto Levi nos lembra da característica que a tecnologia também guarda de seu potencial maléfico ou como ele mesmo nos diz

A inteligência coletiva proposta pela cibercultura constitui um dos melhores remédios para o ritmo desestabilidade, por vezes excludente, da mutação técnica. Mas neste mesmo movimento, a inteligência coletiva trabalha ativamente para aceleração dessa mutação. Em grego arcaico a palavra “pharmakon” significa ao mesmo tempo veneno e remédio. Novo “pharmakon” a inteligência coletiva que fornece a cibercultura é ao mesmo tempo um veneno para aqueles que dela não participam e um remédio para aqueles que mergulhem em seus turbilhões. ( LEVY,1997, 32-33)

 

            Diante da compreensão de que as ferramentas utilizadas para o ensino remoto não garantem um efetivo aprendizado como gostaríamos, precisamos investigar como se dá a interação nesse novo meio.  Ao falar sobre a experiência do ensino remoto com alunos do Ensino Médio é necessário, também, vislumbrar a importância de uma efetiva participação do aluno para que se dê esse tão desejado aprendizado que, na verdade, como já apontamos anteriormente também é objetivo da Educação presencial. Será importante notar que, por exemplo, aulas em meetings que possibilitam o encontro em tempo real (Síncrono) entre professor e alunos exigirá, como veremos, uma atenção diferenciada de todos os participantes, além de um preparo maior por parte do professor que precisará conhecer o funcionamento da ferramenta (meeting).  Por isso reunimos aqui Paulo Freire, Demerval Saviani, Moacyr Gadotti que pensam a Educação presencial e Jean Baudrillard e Pierre Levi que  auxiliam a pensar a questão da cibercultura.

 

                        2.    Processo de Ensino remoto: Uma experiência empírica.

            No mês de Abril a Secretaria de Educação do Estado do Rio de Janeiro disponibilizou a plataforma “Google Classroom” para que seus alunos não tivessem prejuízo diante da obrigatoriedade do isolamento social imposto pela chegada no Brasil do corona vírus ou COVID-19. Entorno de discussões contrarias e favoráveis essa foi a solução emergencial encontrada pela secretaria para mitigar a falta das aulas presenciais.

            A plataforma apresenta simplicidade na navegação pois trata-se de sítio onde podem ser armazenados livros, textos, imagens e vídeos.  A plataforma também possui espaço para comentários dos alunos e de professores. O professor, ao combinar com seus alunos, pode trocar mensagens (chat) em tempo real, mas a interação se dá apenas por forma textual.  Esse recurso, além de aulas transmitas pela TV Bandeirantes e pelo canal da ALERJ, são as opções oferecidas aos alunos pela secretaria e a maior crítica por parte de sindicatos diz respeito ao acesso a plataforma que, infelizmente, não é permitido a todos. Como muitos alunos relatam, não possuem dados suficientes para acessar a plataforma, alguns outros alunos alegam não possuírem computadores em suas casas. No entanto, no primeiro mês de implementação desta plataforma o acesso dos alunos foi regular com um retorno das atividades e ao longo dos meses de junho e julho essa regularidade diminuiu.    

 Aqui vale nos determos para discutir rapidamente sobre a imposição do isolamento social não é a causa da desigualdade social e da impossibilidade de acesso a rede, pois como já mencionado, a Educação já encontrava dificuldades advindas da falta de políticas públicas e mesmo da desigualdade social inerente a nossa sociedade e segundo Saviani

Retenhamos da concepção crítico-reprodutivista  a importante lição que nos trouxe ; a escola é determinada socialmente ; a sociedade em que vivemos, fundada no modo de produção capitalista, é dividida em classes com interesses opostos; portanto, a escola sofre a determinação do conflito de interesses que caracteriza  sociedade. (SAVIANI,2009, pág.28).

           

Não cabe julgar o alunado tratando-o como culpado pelo não acesso a plataforma disponibilizada, mas sim enfrentarmos com coragem a mazela da desigualdade social que foi, na verdade, revelada pela necessidade do isolamento inesperado. 

             A dificuldade de acesso não se restringe aos alunos. Muitos professores também relatam que, ou não possuem condições  de acesso ( computador ou dados para acesso, wifi limitado) ou não dominam as ferramentas utilizadas nessas aulas remotas o que também nos parece relevante e confirma a citação anterior de Pierre Levi quando fala de “formas de usar a tecnologia imposta”, bem como no aspecto “Pharmakon” que ao mesmo tempo que possibilita a troca sem limites e fronteiras, também opera uma exclusão. Nesse sentido a exclusão operada pelas formas impostas nos remeterá a crítica posta por Saviani a partir da concepção crítico-reprodutivísta. 

            A plataforma “Google classroom” ainda nos coloca outra questão que diz respeito a presença no momento do fazer a tarefa ou a comunicação assíncrona[1]. O aluno não precisa necessariamente estar disponível no momento em que o material é postado na plataforma, ele tem a opção de realizar a tarefa em outro momento o que nos apresenta um deslocamento do tempo individual

 

Quando uma pessoa, uma coletividade, um ato, uma informação se virtualizam, eles se tornam “não-presentes”, se desterritorializam. Uma espécie de desengate os separa do espaço físico ou geográfico ordinários e da temporalidade do relógio e do calendário. É verdade que não são totalmente independente do espaço-tempo de referência, uma vez que devem sempre se inserir em suportes físicos e se atualizar aqui ou alhures, agora ou mais tarde.( LEVI,1996, pág.9).

 

            Baseado na citação de Pierre Levi se pode afirmar que a plataforma utilizada pelo Estado do Rio de Janeiro, ao mesmo tempo que abre a possibilidade da “não-presença” também coloca um novo desafio ao estudante do Ensino Médio, qual seja, organizar seu tempo de estudo que agora não está mais condicionado ao horário  escolar presencial que ele frequentava no seu dia-a-dia  semanalmente, além da questão espacial, pois ele ( aluno) está na sua casa e não mais no espaço geográfico escolar.

             Adolescentes não estão preparados para uma experiência que envolve misturar o ambiente de estudo (escola) com o ambiente privado (casa). Essa desterritorialização forçada tem provocado também desorientação e desânimo nesse aluno que não consegue administrar essa nova realidade. Um dos problemas ou queixas entre alunos e professores, a respeito das meetings, está relacionado a falta de participação do aluno na troca durante o encontro . Já falamos sobre a dificuldade do aluno em administrar a questão do espaço -tempo na medida em que esse aluno, mas também o professor, precisará administrar o tempo da casa somado aos tempos dos outros habitantes dessa casa. Então se a casa, por exemplo, é constituída de pai mãe e dois filhos teremos as quatro realidades temporais somadas a uma quinta realidade da própria casa, Ou seja, considerando aqui que todos passem a estudar e trabalhar em casa, podemos ter um vislumbre da complexidade dessa circunstância que foi intempestivamente imposta em função do isolamento social. 

  Falando especificamente da relação entre aula presencial e aula remota foi possível observar alguns aspectos importantes que nos fazem entender a dificuldade de participação efetiva do aluno.  Ao longo da experiência durante os encontros na utilização do Google meet, a falta de uma FLUTUAÇAO DA ATENÇÃO(FA) que faz parte da aula presencial é uma realidade que torna o ambiente remoto árido. Essa flutuação, que não existe na aula remota, só pode ser superada se cada integrante do encontro, de fato, contribuir com sua participação dividindo a fala durante a sessão, pois,  na troca o que se experimenta é o contato com os diferentes aspectos da voz, ou o que chamaremos de MODULAÇÃO DA DIGITAL SONORA (MDS)  que é individual e absolutamente distinta uma da outra. Pierre Levi ao se referir ao trabalhador online nos dá fundamento para nossa reflexão

   O teletrabalhador transforma seu espaço privado em espaço público do seu domicílio ao espaço do lugar do trabalho (ESTUDO). Os limites não são mais dados. Os lugares e tempos se misturam. As fronteiras nítidas dão lugar a uma fractalização das repartições. (LEVI,1996, pág.12).

 

Para minimizar a questão da dificuldade no contato entre professor e aluno   lançamos mão, então, de um segundo dispositivo tecnológico que permite ao aluno e professor estejam em um mesmo horário estabelecendo um contato em tempo real, mas que ainda terá a limitação do chat. As aulas de Arte e Filosofia começaram a ser ministrada via Youtube. Dia 08 de Abril fizemos a primeira transmissão pelo canal e esse dispositivo apesar de superar a questão do tempo (horário do encontro) apresentava uma nova questão que dizia respeito a interação. Nesse dispositivo a dificuldade está na comunicação entre aluno e professor pois as dúvidas que surgiam ao longo da exposição só podem ser comunicadas via chat.  A plataforma permite um encontro de comunicação síncrona[2], no entanto ainda limitado pelo chat.  

            Se na plataforma “Google classroom” há o problema da “não-presença” na plataforma Youtube ainda que a aluno assista ao professor em tempo real na chamada “live” ele, aluno, ainda está limitado ao contato via chat. Durante o mês de Abril utilizamos essa canal de comunicação para as aulas como um suporte para complementar as atividades postadas no “Google Classroom”.

            Então as aulas seguiam a seguinte metodologia; apresentação do assunto geralmente baseado em texto previamente selecionado, com espaço para perguntas ao longo da aula (LIVE) via chat. A pós a aula esse vídeo sempre é postado, juntamente com a tarefa a ser executada pelo aluno na plataforma “Google Classroom”. Desta forma o aluno teria a aula comentada justamente com a tarefa a ser executada pelo aluno.  Para cada aula o texto e a tarefa acompanham a postagem. Nesta perspectiva nos ensina Gadotti

 

Na desordem provocada pelos “média”, surge o mestre em sua função integradora. Mais do que um transmissor de cultura, tarefa que a biblioteca de certa forma já exerce e os novos recursos tecnológicos, bem ou mal, podem realizar, o mestre é um estimulador e um mediador do estudante. Mais do que um conteúdo, cabe-lhe ensinar um método, a exemplo de Sócrates.  É o que se pede ao professor e ao mestre de hoje e amanhã como se pedia aos sucessores de Sócrates; ensinar é a difícil arte de partejar espíritos. (GADOTTI,1975, pág.114)  

 

            Em tempo de pandemia, em que somos convocados a nos reinventar Gadotti nos recorda a importância da figura do mestre como integrador e reforçamos a importância da “presença pedagógica” auxiliada pelas novas tecnologias disponíveis para a implementação do ensino remoto. O que até aqui podemos perceber é que o ensino remoto envolverá problematizações que não podem ser desconsiderados.  O processo de adaptação por parte tanto de alunos como de professores a uma realidade nova em que o espaço-tempo precisa ser ressignificado, ou seja, como já mencionamos acima a divisão clara que havia entre o tempo de casa e o tempo da escola foi subvertido nesses quase 5 meses de isolamento social . Outra questão que não pode ser esquecida, diz respeito ao acesso a rede (internet) e esse aspecto é anterior ao evento da pandemia, o que revela algo já dito por Saviani, ou seja, que “a escola sofre a determinação do conflito de interesses que caracteriza a sociedade”.

            Então se faz necessário que se lance um olhar sobre o ensino remoto não esquecendo da complexidade já existente em nossa estrutura educacional que evidencia um despreparo para absorver, intempestivamente, essa nova prática.  Essa parece ser uma preocupação que não pode deixar de existir ao discutirmos os pontos positivos da EAD, do contrário incorremos no erro de distorcer a realidade idealizando os recursos tecnológicos em demasia e lembrando Pierre Levi aquilo que poderia ser remédio poderá se transformar em veneno atendendo a poucos e excluindo a muitos.

            Pensando nessas questões uma terceira alternativa foi utilizada, já que a plataforma Youtube limitava o aluno ao comentário do chat, foi adotado a utilização do “Google meet”. Um aplicativo que possibilita o encontro em sala virtual onde professor e aluno estão reunidos em tempo real estabelecendo uma comunicação Síncrona. O limite de participação fica em 250 pessoas com larga duração.

            O aplicativo ainda permite que os participantes possam visualizar uns aos outros pela câmera (laptop ou celular), então além as possibilidades de ver e falar o aluno ainda possui o recurso do chat, em tempo real o aluno pode interagir com seu professor e com seus colegas de classe.  Outros professores também podem participar por exemplo, de aulas partilhadas. Então como já dissemos em outros momentos desse trabalho é inegável que as ferramentas tecnológicas disponíveis atualmente possibilitam experiências educacionais remotas com resultados consideráveis.  No entanto como educadores comprometidos com a ampliação do acesso ao conhecimento não podemos desprezar as consequências de uma adoção abrupta desta modalidade, pois os desdobramentos desse fenômeno precisam, também, ser contemplados por aqueles que pensam a Educação.

            Quando nos propusemos a falar sobre o ensino remoto  a experiência prática passa a ser a fonte dessas reflexões a respeito de alternativas tecnológicas. Esta última alternativa, apesar de possibilitar tanto a visualização do aluno, como a audição de sua voz em tempo real revelará a fragilidade deste mesmo aluno diante do já mencionado desafio de administrar os deslocamentos de espaço-tempo provocados pela circunstância vivida por todos.

             Resultado desta condição observa-se no docente que também passa pela necessidade de administrar o novo espaço-tempo mas com algo a mais, a emergência de aprender a manusear as novas ferramentas. Ministrar aulas remotas diante da apresentação de sinais de estafa e cansaço justamente pela falta de interação com o aluno, uma vez que pelos motivos já mencionados, esse aluno, apesar da possibilidade de interagir visualmente, através do chat e do áudio, não o faz ou faz pouco.  Então experimentamos uma sensação realmente contraditória pois se dispomos das ferramentas e buscamos com elas minimizar a falta da aula presencial, ao mesmo tempo nos vemos limitados, agora, pelo despreparo do aluno do Ensino Médio, não por incapacidade sua , mas pelo condicionamento ao qual foi submetido ao longo dos anos anteriores, em que não exercitou o estudo autônomo , comportamento que agora lhe é cobrado, mas  limitou-se a ouvir, decorar e reproduzir.

            As ferramentas com as quais hoje temos contato convidam seus atores a, de fato, promovem uma interação, no entanto essa desejada interação não se realiza por alguns motivos que destacamos aqui com o auxílio de Pierre Levi que pensa a cibercultura e o mundo virtual nos lembrando de suas vantagens e desvantagens. Afinal é nesse meio que, hoje, estamos caminhando.

             Ao utilizarmos três dispositivos ou ferramentas diferentes Google Classroom, Youtube e Google meet, nesses quase 5 meses de isolamento social tivemos a possibilidade de experimentar situações excepcionais de promoção de encontros, de trocas de experiências e como diz Levi

 

A concepção de uma ferramenta virtualiza uma combinação de órgãos e de gestos que só aparece, então,  como uma solução especial, local, momentânea. Ao conceber uma ferramenta, mais que nós concentramos sobre determinada ação em curso, içamo-nos à escala bem mais elevada de um conjunto indeterminado de situações. O surgimento da ferramenta não responde a um estimula particular mas materializa particularmente uma função genérica, cria um ponto de apoio para a resolução de uma classe de problemas. A ferramenta que seguramos na mão é uma coisa real, mas essa coisa da acesso a um conjunto indefinido de usos possíveis (LEVI, 1996, pág.49).                                                                                                                                   

 

            Pierre Levi entende que a ferramenta amplia as possiblidades e concordamos com ele, no entanto, a ferramenta precisa ser acionada e no caso das três ferramentas aqui descritas, essa ampliação se fará realizar na medida em que os agentes envolvidos compartilhem, de fato, seus conhecimentos.  Se por um lado os dispositivos disponíveis ,a saber, Gloogle Classroom, Youtube e Google meet abrem possibilidades para o Ensino remoto, por outro observa-se a necessidade de um amadurecimento por parte do aluno com relação a administração de uma relação anterior de construção do conhecimento, como já foi mencionada anteriormente quando se  fala sobre o condicionamento ouvir, decorar e reproduzir. Esse condicionamento responsável pelo desenvolvimento de passividade não é o desejado em um ambiente virtual.

 

A grande contribuição que os meios podem oferecer ao diálogo e ao progresso educacional não deverá nos eximir da reflexão sobre a sua ambiguidade. O equilíbrio da tecnologia só existe quando houver o equilíbrio humano que alimenta a tecnologia. (GADOTTI,1975, pág.112)

 

           

            Não há melhor momento do que este para refletirmos sobre ensino remoto que se mostrou efetivo no atendimento emergencial, já a algum tempo, apontando alternativas interessantes para quem não dispõe de tempo para frequentar presencialmente um curso.  No entanto ao sermos lançados nesse novo universo, muitas questões se apresentam e em especial, aqui o campo da Educação. Assim não podemos nos eximir de refletir sobre as consequências possibilidades, vantagens e limites desse universo e as ferramentas que nos possibilitam transitar por esse caminho. As vezes com facilidade, as vezes muito assustados pela incerteza, as vezes seguros do que estamos fazendo, mas sempre atentos com relação a reflexão sobre o que vivenciamos. Porque uma prática irrefletida não traz benefícios e nem produz conhecimento.

            Não nos passa despercebido o aumento no número de cursos que oferecem formação para aqueles que querem atender remotamente evidenciando aquilo que chamamos atenção durante todo o trabalho, a saber, uma exaltação do ambiente virtual como se esse fosse a salvação para os problemas educacionais, ao passo que a produção de material no sentido de entender as implicações, as dificuldades não seguem a mesma proporção de produção.   Entende-se que só é possível falar com propriedade dos aspectos problemáticos, bem como sobre sua possibilidades positivas, aqueles que efetivamente estão vivenciando essa experiência.

             Nesse trabalho procurou-se apresentar, a partir da experiência, como as alternativas de dispositivos tecnológicos disponíveis nos propõe reflexões importantes durante o seu uso, pois aqui não tratamos o ensino remoto como uma hipótese, mas nos esforçamos para entender o que tem acontecido com uma aplicação intempestiva dessas ferramentas, sobretudo entre alunos do Ensino Médio, a partir da seguinte pergunta; porque o aluno do Ensino Médio apresenta dificuldades   na participação das aulas remotas nos diferentes dispositivos?

             Uma possível resposta para essa questão passa por considerar que esse aluno, diante da circunstância do isolamento, precisa administrar a multiplicidade de tempos em um só espaço o que pode provocar desinteresse, ansiedade entre outros problemas que afetam seu desempenho.  A partir desta possível resposta fez-se uma analogia entre a presença na sala de aula que envolve uma atenção flutuante (A.F) necessária e inerente a presença e a presença na aula remota que necessita daquilo que chamamos de modulação da digital sonora( MDS). Esses termos referem-se a operacionalidade da aula remota nas condições que vivenciamos hoje. Essa questão, especificamente, de administração de tempos diferentes nos interessa pois afeta, não só os alunos como, também os profissionais da Educação bem como todos as pessoas que hoje necessitam trabalhar  no regime remoto, pois

No ciberespaço, em troca, cada um é potencialmente emissor e receptor num espaço qualitativamente diferenciado, não fixo, disposto pelos participantes. Explorável. Aqui não é principalmente por seu nome, sua posição geográfica ou social que as pessoas se encontram, mas segundo centro de interesses, numa paisagem comum do sentido ou do saber ( LEVI, 1996, 77).

 

            A partir da citação de Levi, então, problematiza-se a condição desse aluno que, agora, tem a exigência da participação em um ambiente para o qual não foi preparado, já que Pierre Levi nos aponta um ambiente participativo que é favorecido pelo interesse comum.  Como foi apresentado no trabalho o condicionamento ao qual esse aluno foi submetido não o permite contribuir uma vez que não o muniu de ferramentas para produção. Sua atitude na aula presencial, invariavelmente, restringe-se a ouvir, decorar e reproduzir.

            Infelizmente o que se constata são questões que não foram superadas pelo ensino e que parecem ser objetivos almejados pelas novas diretrizes educacionais, a saber, no desenvolvimento de competências como autonomia, Senso crítico, resolução de problemas, a colaboração, autoconhecimento, criatividade, abertura para o novo, responsabilidade, e a comunicação. Como nos diz Pierre Levi

 

O ciberespaço favorece as condições, as coordenações , as sinergias, entre as inteligências individuais, e sobretudo se um contexto vivo for melhor compartilhado, se os indivíduos e os grupos puderem se situas mutuamente numa paisagem virtual de interesses e de competências , e se a diversidade dos módulos cognitivos comuns ou mutuamente compatíveis aumentar.( LEVI, 1996, 79)         

 

                                             

            Não há como não reconhecer os benefícios produzidos pelas ferramentas tecnológicas, o entanto o que procuramos trazer nesta reflexão são aspectos ligados, justamente, ao uso destas ferramentas a partir de uma experiência empírica. 

            No momento em que a educação ensaia mudanças de abordagem para a promoção, daquilo que se entende como desenvolvimento de competências para vida é surpreendida pela necessidade da adoção do ensino remoto em virtude do isolamento social.

             Nos encontramos diante de um enorme desafio que não envolve apenas a utilização de tecnologias para o ensino remoto mas envolve também o próprio entendimento do que seja Educação e quais são, de fato, nossos objetivos. Aqui não se pretende  esgotar o assunto, muito ao contrário. Nossa tarefa é despertar o olhar crítico a respeito do uso das ferramentas tecnológicas e quais os efeitos deste uso entre alunos e professores porque

Se nos limitarmos a instrumentalizar o professor, a tarefa da Educação fracassará como a própria tarefa da humanização. Seria deter-se nos meios sem querer alcançar o fim (GADOTTI:1975, pág.106)

 

            Será sempre necessário refletirmos sobre nossas práticas para que não incorramos no erro apontado por Gadotti de apenas instrumentalizar o professor valorizado os meios em detrimento de um fim; A Educação.        

 

           Referências

BRAUDRILLARD, Jean.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia. São Paulo: Paz e Terra, 1996.

GADOTTI, Moacyr. Comunicação docente. São Paulo: Edições Loyola, 1975.

LEVI, Pierre. Cibercultura.

__________. O que é virtual? São Paulo: Editora 34, 1996.

SAVIANI, Demerval. Escola e Democracia. Campinas -SP: Autores Associados,2009

                                                     



[1] A comunicação eletronicamente mediada muitas vezes é assíncrona, na qual os participantes não se comunicam simultaneamente. Exemplos incluem e-mail e sistemas de boletins, onde os participantes podem enviar ou postar mensagens em momentos diferentes. O termo adquiriu valor na aprendizagem on-line, onde o intercâmbio entre professores e alunos é muitas vezes assíncrono em vez de sincrônico (que é o mesmo que simultâneo), como seriam na cara-a-cara ou por telefone, conversas..

[2] Numa comunicação síncrona, cada bloco de informação é transmitido e recebido num instante de tempo bem definido e conhecido pelo transmissor e receptor, ou seja, estes têm que estar sincronizados. Para se manter esta sincronia, é transmitido periodicamente um bloco de informação que ajuda a manter o emissor e receptor sincronizados.