segunda-feira, 15 de fevereiro de 2021

Filosofia Africana e seu ensino

 

Estamos em 2021 e desde o ano de 2003 já existe uma lei que orienta escolas da rede Pública e Privada  fazer a apresentação da cultura e história da  Àfrica  nas do núcleo comum do currículos escolar. A lei 10.639/2003 estabelece as diretrizes e bases da Educação nacional, para incluir no currículo oficial da Rede de Ensino a obrigatoriedade da temática “ história e cultura afro brasileira.  Esse trabalho procura refletir sobre a obrigatoriedade diante da experiência na ministração da disciplina Filosofia.  O autor deste texto procurando atender a lei incluiu no seu plano de aula uma introdução à Filosofia Africana, para o 1º ano do Ensino Médio no colégio Estadual Brigadeiro Castrioto, em Níterói. O objetivo, aqui, será apresentar, de forma sucinta, os motivos pelos quais 17 anos após a promulgação da lei não é possível se verificar a aplicabilidade da mesma refletida no dia-a-dia dos alunos da rede Pública. De fato é pertinente  trazer o tema ao debate diante dos tantos questionamentos que se repetem, por parte dos alunos sobre a origem da Filosofia. Abdias do Nascimento em seu livro, “ Quilombismo”, Afiirma:

   Do século VI antes de Cristo até a morte de Aristóteles ( 322 antes de Cristo) os Gregos aproveitaram o melhor que puderam as chances de aprender o que puderam o que pudessem sobre a cultura egípcia. Muitos estudantes receberam instruções diretamente dos sacerdotes egípcios, porém, depois da invasão de Alexandre Magno, os templos reais e as bibliotecas foram saqueadas e pilhadas, e oa  escola de Aristóteles converteu a biblioteca de Alexandria em centro de pesquisas. (GEORGE JAMES apud NASCIMENTO: 2019, p.130)

 

Assim  como outros autores, Abdias defende a tese de que a Filosofia nasceu em Àfrica, entre os egípcios; os Gregos adquiriram pelos Egípcios o conhecimento filosófico que, fora sistematizado e difundido como se houvera nascido na Grécia.

 

Os verdadeiros autores da Filosofia grega não foram os Gregos, mas o povo da África do Norte comumente chamados de Egípcios; e o elogio e a honra falsamente atribuídos aos Gregos durante séculos pertence ao povo da África do Norte e , desta forma, ao continente Africano.  Consequentemente este roubo do legado africano pelos Gregos levou a opinião mundial ao erro de que o continente africano não deu nenhuma contribuição à civilização e que seu povo está naturalmente na retaguarda. Essa distorção se tornou a base do preconceito racial que tem afetado todos os povos de cor. ( NASCIMENTO:2019, p.130)  .

 

            Ainda que o autor seja enfático ao falar sobre o “roubo” do legado africano a partir dessas citações, deve-se refletir sobre a recusa em falarmos das contribuições do povo africano para a cultura , de uma forma ampla e, mais especificamente, da produção do conhecimento filosófico justificando, de certa maneira, o preconceito sofrido há séculos como consequência da forma como é forjada a estrutura da sociedade brasileira .

            O tema da escravidão do povo africano não deveria ser o único a fazer parte dos livros didáticos visto que além da diversidade de nações africanas e portanto, de línguas e costumes distintos, também existem concepções e modos de vida diversos no continente africano, seja político, linguístico ou geográfico. O Brasil é um pais que respira a cultura africana, impregnado de África. No entanto, narrativas oficiais somadas a pedagogia   televisiva instaurou em nosso imaginário coletivo a ideia da subordinação do negro. Este longo processo merece uma revisão a partir de um estudo sério e profundo da cultura o negro brasileiro. Clóvis Moura apresenta aspectos importantes sobre abordagens que desvalorizavam o negro como agente social possuidor de um passado histórico.

   

    Todos esses trabalhos procuravam ver, estudar e interpretar o negro não como um ser socialmente situado numa determinada estrutura, isto é, como escravo ou ex-escravo, mas como simples componente de uma cultura diferente do ethos nacional. Dai vermos tantas pesquisas serem realizadas sobre seu mundo religioso em nível etnográfico e acerca de tudo aquilo que implicava diferença do padrão ocidental, tido como normativo e tão poucos estudos sobre a situação do negro durante a sua trajetória histórica e social (MOURA, 2019, p.43)

 

            É imperioso, portanto, que o ensino da cultura e história da África privilegie a observação cuidadosa do que o indivíduo que produziu esta história sob as conhecidas condições, em nossa sociedade, cientes de que a tal “democracia racial” é uma ilusão. Essa ideia foi difundida inclusive por intelectuais ao longo da história a partir do fato de existir uma miscigenação resultados do encontro de diferentes culturas e povos. Reverter essas construções desenvolvidas por longo tempo não é um trabalho fácil. No entanto, é urgente que se faça uma análise a partir de autores que já denunciaram essa condição, no passado, bem como outros que atualmente apresentam reflexões a esse respeito. Esse olhar para o passado auxilia, então, na compreensão de como se estrutura o pensamento racista e como esse pensamento norteia comportamentos e orientações educacionais.   

            No campo da filosofia observa-se um quase total silenciamento a respeito do pensamento filosófico africano. Esse silenciamento se dá no âmbito da universidade e, por consequência, nos ensinos fundamental e médio já que aqueles que lecionam na etapas iniciais da Educação tiveram sua formação em espaços que sempre desconsideraram a produção do conhecimento filosófico africano.

            O mais interessante é que esse silenciamento sobre a produção filosófica de origem africana não é uma hipótese, mas uma realidade materializada, em nosso dia-a-dia. Para exemplificar o que afirmamos realizou-se uma pesquisa de dados a respeito do tema em cinco livros didáticos adotados pelo plano nacional do livro didático (PNLD) em apenas um deles trás, entre seus conteúdos assunto apresentando o pensamento filosófico africano de forma introdutória. Os outros quatro livros não fazem sequer menção ao fato de existir um pensamento filosófico africano. Na aberturado capítulo do livro Reflexões: Filosofia e cotidiano, lemos o seguinte;

 

De que maneira a negritude remete ao passado africano? E de que forma esse conhecimento da identidade negra africana e afro brasileira pode contribuir para reflexão filosófica? ( VASCONCELOS:2016,p.362)

 

            A unidade do livro onde se insere o capítulo que trata da produção filosófica africana também nos apresenta uma pista interessante do problema que enfrenta-se, ou seja, “ para além do Eurocentrismo” é o olhar que possibilita que aprendamos mais sobre essa produção silenciada durante séculos. Cabe aqui lembrarmos que não se trata de substituir um pensamento filosófico sedimentado, esse que aprendemos. Que se aceitou como cultura que fundou a filosofia, o pensamento grego por um pensamento africano. O que refletimos nesse trabalho é a importância desse conhecimento não só ganhar visibilidade como também poder servir de ferramenta de interpretação da realidade.  As perguntas da citação acima nos remeterão a outros problemas enfrentados na sociedade. Neste trabalho nos limitaremos a invisibilização do ensino da filosofia africana na rede Educacional.

            Só foi possível abordar esse assunto a partir da necessidade de lecionar a filosofia africana como complemento do plano de aula da disciplina filosofia no colégio Estadual Brigadeiro Castrioto em Niterói. Essa unidade escolar de horaério integral possui no seu núcleo comum a disciplina filosofia. Durante todo o período da graduação esse autor não obteve contato com nenhum material ou aula que abordasse a filosofia Africana nem mesmo nas disciplinas voltadas para a licenciatura que tem como objetivo formar novos professores. Por iniciativa particular e a partir do conhecimento da existência da lei iniciei a procura por livros didáticos que abordassem o tema e servissem de material de apoio para ministração das aulas. O que confirma a citação de Santos (2005) “que a implementação do ensino sobre cultura africana depende da vontade e dos esforços dos professores para que esse ensino seja ministrado em sala de aula”.

            Ao consultarmos o documento que norteia ou aponta caminhos para uma ação pedagógica nos deparamos com uma pobreza de conteúdo. O documento na sua completude é de uma generalidade impar e em nenhum momento faz referências a outros modos de pensar que não sejam Gregos.  Não é necessário muito tempo de leitura do documento “ currículo mínimo 2012 Filosofia”  para constatarmos aquilo que já mencionamos anteriormente, a saber, o silenciamento e nesse caso a invisibilidade do pensamento africano e sua contribuição para a cultura brasileira. Da mesma forma podemos observar a ausência de conteúdo relacionado a filosofia africana nos livros didáticos adotados pelo plano nacional do livro didático. Cabe, então, ao professor que se interesse  implementar o conteúdo relacionado a filosofia africana  buscar material por conta própria ainda que com dificuldade pois

A legislação federal, segundo o nosso entendimento, é bem genérica e não se preocupa com a implementação adequada do ensino sobre história e cultura afro-brasileira. Ela não estabelece metas para a implementação da lei, não se refere a necessidade de qualificar os professores do ensino fundamental e médio para ministrarem. O que é grave segundo nosso entendimento, a necessidade as universidades reformularem os seus programas de ensino e/ou cursos de graduação, especificamente os de licenciatura para formarem professores aptos a ministrarem o ensino sobre história e cultura afro brasileira. Ou seja, vai depender da vontade e dos esforços dos professores para que o ensino sobre a história e cultura afro brasileira seja   ministrada em sala de aula  (SANTOS, 2005.p.33).

 

A falta de material que possibilite a implementação do ensino da história e cultura africana somada a ideia já cristalizada de que o negro é inferior em virtude de sua condição de escravo em um  passado não muito distante reforçam a permanência daquilo que conhecemos como “racismo estrutura”. Essa invisibilização está estrutura e profundamente arraifgada na subjetividade  coletiva .    Segundo Silvio Almeida

Como a instituição tem sua atuação condicionada a uma estrutura social previamente existente – com todos os conflitos que lhe são próprios- o racismo que esta instituição venha expressar é também parte desta mesma estrutura. As instituições são apenas a materialização de uma estrutura social ou de um modo de socialização que tem o racismo como um de seus componentes orgânicos. Dito de modo mais direto: As instituições são racistas porque a sociedade é racista.( ALMEIDA,2018,p.36).

 

            Portanto, a partir da constatação pela própria vivência do autor na graduação (bacharelado/licenciatura) e a observação de documentos oficiais, em livros didáticos de que não há uma preocupação em mencionar a cultura africana, podemos entender concretamente o que é uma institucionalização da  invisibilidade com o auxílio da citação do professor Silvio Almeida que nos apresenta com muita clareza a questão do racismo institucional em seu livro.

            Diante do que foi posto torna-se  importante percebermos que estamos inseridos dentro de uma estrutura que perpetua a invisibilidade da cultura africana, portanto uma atitude antirracista passa pela necessidade de perguntarmos porque não há a efetivação da lei instituída em 2003 que prevê a obrigatoriedade do ensino da cultua e história de África no ensino público e particular em todo território nacional? Se documentos oficiais e livros didáticos continuarem a não incluir em seus conteúdos a história da África dificilmente assistiremos a implementação desse ensino. Ao mesmo tempo como não poderia deixar de ser assim como no passado autores como Abdias do Nascimento, Clóvis Moura, Florestam Fernandes levantaram essa questão hoje também encontramos entre os intelectuais como Silvio Almeida, Ney Lopes-Milton Santos possibilidades de pensar essa invisibilidade e entender a resistência ao ensino da cultura africana. Não podemos esquecer que além da questão que já foi colocada a respeito das dificuldades de implementação de um ensino, há também as condições de infraestrutura. As unidades de ensino públicas que dependem de políticas públicas estão sempre a mercê daqueles que são responsáveis por essas políticas. Como já mencionamos há em nossa sociedade uma institucionalização do indivíduo negro, fruto de um passado. No caso da instituição a escola, também, pode ser um difusor desses estereótipos como nos diz Silvio Almeida em racismo estrutural.

  

 A escola reforça todas estas percepções ao apresentar um mundo em que negros e negras não tem muitas contribuições importantes para a história, literatura, ciência e afins, resumindo-se a comemorar a própria libertação graças a bondade de brancos conscientes. (ALMEIDA,2018.p.51).

 

Segundo Silvio Almeida as condições de permanência e reprodução do racismo só são possíveis porque as instituições reforçam o imaginário construído ao longo de anos. A sala de aula, nesse sentido, pode se transformar em espaço privilegiado para que a desconstrução deste imaginário seja feita  na medida em que apresentemos outras narrativas. Abdias do Nascimento reforça a ideia de perpetuação desse imaginário de inferioridade.

O sistema educacional funciona como aparelhamento de controle nessa estrutura de discriminação cultural. Em todos os níveis do ensino brasileiro-primário secundário, universitário- o elenco das matérias ensinadas, como se executasse o que havia previsto a frase de Silvio Romero, constitui um ritual da formalidade e da ostentação das salas da Europa e mais recentemente, dos Estados Unidos. Se a consciência é memória e futuro, quando e onde está a memória africana, parte inalienável da consciência brasileira, no currículo escolar?

 

            Diante desta citação segundo Abdias do Nascimento é mais que urgente que educadores promovam em suas salas de aula possibilidade para que o aluno possa ter contato com uma perspectiva crítica a respeito da realidade da formação e nosso pais que envolve necessariamente a contribuição da cultura africana e seus conhecimentos. Acreditamos que o fortalecimento e também a ampliação da lei 10.639/2003 contemple não só a discussão sobre a necessidade de repensarmos a ideia construída de “democracia racial”, no âmbito mais particular de problemas relacionados a discriminação e ao racismo como também toca no aspecto mais abrangente relacionado ao que conhecemos como Etnocentrismo que

Consiste em postular indevidamente como valores universais os valores próprios da sociedade e da cultura a que o indivíduo pertence. Ele parte de um particular que se esforça em generalizar e deve, a todo custo, ser encontrado na cultura do outro (GOMES, 2005, p.53)

 

            Como é possível constatar com o que foi colocado até aqui, as camadas do problema que envolve a implementação do ensino da cultura e história de África no ensino são muitas. Elas envolvem questões sociológicas, antropológicas da história da construção da sociedade brasileira que nas suas contradições parece não ceder a realidade sobre a existência de uma diversidade racial que ao contrário do que muitos defendiam no passado configura uma riqueza e não uma deficiência ou degeneração. Encontramos essas contradições registradas na obra de Euclides da Cunha Sertões (1902) revelando a influência de teorias deterministas de sua época.

Alguns firmando preliminarmente, com autoridade discutível, a função secundária do meio físico e decretando preparatoriamente a extinção que se completa do silvícola e a influência descrente do africano depois da abolição do tráfico, preveem a vitória final do branco, mais números e mais forte, como termo geral de uma série para o qual tendem o mulato, forma cada vez mais diluída do negro, e o caboclo, em que se apagam, mais depressa ainda, os traços característicos do aborígene( CUNHA,2008,p.76)  

 

            Para não ficar apenas nesse intelectual citamos também Gilberto Freire que contribuiu enormemente para construção do “mito da democracia racial” a partir da obra Casa Grande e Senzala (1933) que invisibilizava os conflitos   e contradições das relações entre as culturas que compõe a sociedade brasileira, fundada a partir da escravização de africanos e indígenas.  Esses dois exemplos nos servem para entendermos como a produção científica difundida nas universidades alimentam a subjetividade dos cidadãos. Por esse motivo, então, a importância da lei 10.639/2003 sobre a obrigatoriedade do Ensino da cultura e história da África.   

A interpretação de Gilberto Freire do Brasil, infelizmente, ainda é muito forte na sociedade brasileira, na esfera política, na escola, entre outros espaços sociais importantes, e tem colocado limites e empecilhos no posicionamento da sociedade brasileira na luta contra o racismo (GOMES,2005, p.59)   

 

            Com o que foi posto até é possível fazermos uma estimativa dos motivos pelos quais a lei 10.639/2003 não encontra efetividade, existindo tão somente como uma orientação no lugar de lei obrigatória.

            Não basta que o presidente da República sancione uma lei para que ela se efetive é necessário muito mais e já constatamos anteriormente que sem  uma produção acadêmica que questione ou revise aquilo que já foi produzido não há possibilidade de uma transformação. Os cursos que são responsáveis pelas licenciaturas necessitam urgentemente que se inclua em seus planos autores e pesquisadores que tratem sobre cultura e história da África e suas relações com a construção da sociedade brasileira, pois esse processo é demorado. Aqui mesmo citamos nomes de alguns intelectuais que já produzem pensamento crítico a respeito do tema. Essas produções acadêmicas, uma vez difundidas, podem ter os seus resultados absorvidos por livros didáticos que chegarão até as salas de aula e encontrarão os professores que passarão por uma formação ligada a questão da implementação do ensino da cultura e história de África. Na introdução do livro “histórias, culturas e territórios negro na Educação” lemos o seguinte trecho com relação a implementação da lei

Sua efetiva implementação político pedagógica vem sendo discutida n sociedade e, no Rio de Janeiro, já conta com a atenção e fiscalização do ministério público, porém o debate ainda está muito restrito ao âmbito acadêmico e pouco presente nas práticas do ensino básico (NASCIMENTO et al 2008, p.6)

 

Nesse mesmo livro que reúne uma série de artigos que tratam sobre relações ético-raciais e o ensino ea implementação de uma reeducação observamos o registro daquilo que constatamos na realidade, a saber, que apesar de inúmeros encontros e simpósios debates e palestras não há constatação de uma real implementação daquilo que os artigos da lei 10.639/2003 prevê em seu texto.  Ainda é tímida a inclusão de conteúdos relacionados ao ensino da produção cultural africana estando, o debate registro a esfera acadêmica.                              

                      

                                                        

 

                           

           

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